Selfie | Cênicas


foto do vídeo-dança Se es necesario es preciso flotar em http://screendancefestival.com

Vídeo-dançar

maio de 2017

Edição: 12


Sobre as Sessões Iberoamericana em Foco e Mulheres Sementes do FºDA

Querido diário,

acordei e era a sessão Iberoamericana em Foco. Começamos com um Mergulho que se revelou, em mim, como a possibilidade de estar de pé. Levantar-se é se jogar de cabeça: uma ideia agradável para prosseguir. Dei alguns passos e, quando o Cotidiano passou por mim, foi como um outro qualquer, por isso, coloquei-me De cara al cielo a fim de experimentar a chance de algum infinito. O que encontrei foi a própria terra e uma beleza concreta: mulheres concretas, marcas concretas. Era bonito e eu cada vez mais à deriva como as casas tão verde- e-rosa. Caminhei ao lado d’El reflejo de tu deliro e chegamos à fuga: à fuga do reflexo, à fuga pro delírio. E o maior delírio de todos, parece, continuará sendo as crianças. Ainda que treinadas, ainda que ensaiadas: crianças. Crianças que mesmo En silencio nada se parecem com os ornamentais e imóveis cactos que me chegaram como o Retrato de un Pueblo – apesar de poderem se parecer naquilo que ambos têm de inusitado.  E diante dessa paisagem caótica de pessoas-cacto e crianças-silêncio, concluí que Se es necesario, es preciso flotar! Coloquei-me de barriga para cima e me deixei surpreender pelos recortes… e depois pelo todo! Ora olhando de longe, ora usando uma lupa… Dá pra fazer tudo! Entusiasmei-me e a excitação, paradoxalmente, expressava-se no deixar passar e também no passar junto como o próprio Tiempo que não pede nada a ninguém, apenas deixa ser no imperativo do tornar-se. Fui guiada pelo SZi de um mosquito até dar de cara com a Despedida que gentilmente me solicitava: “dance me to the end of love”. E, apesar do Ejercicio de un discurso amoroso, acordei assustada, quando me dei conta de que tudo não havia passado de um sonho, como tudo o é.

Um sonho bom. Os onze curtas do dia de abertura do festival foram passando e eu permaneci ali, passando também, em uma espécie de meditação. Apenas beijei, brinquei e deixei passar. Um dos motivos de meus desencontros com a contemporaneidade é o fato de ela parecer ser indiferente a mim ou aos desinteressados como eu. Os onze curtas de alguma maneira também pareciam, com a diferença de que também não me exigiam nada. Estávamos quites, passando uns pelos outros, ocupando os espaços, olhos que viam, ouvidos que escutavam etc.

Já no dia de encerramento, na sessão Mulheres Sementes, estive bem acordada o tempo inteiro, apesar de uns cochilos vez ou outra. Sete curtas: mais longos, mais dançados – de acordo com o que vulgarmente se conhece como dança –, mais contados. E fui surpreendida pelo fato de me entediar com o reconhecimento dos inícios, meios e fins nos vídeos que se me apresentaram – logo eu, tão aristotélica! Devolvam-me os sonhos.

A possibilidade de vídeo-dançar, no dia 1, mostrou-se como a oportunidade do tudo – ou pelo menos quase. Nesse mesmo dia, em momento de conversa pós-filmes, ouvi a seguinte fala: “não faz sentido colocar em vídeo aquilo que poderíamos ver ao vivo”. E eu elaborei essa ideia em meu dia 2. Era uma vez e sentia minha cabeça contra a parede. Dois pra lá, dois pra cá e deixava o celular cair de minha mão. Ainda é o mesmo vídeo? As experimentações se mostraram como elemento fundamental para o real encontro entre as linguagens (o vídeo e a dança), ou seja, para o vídeo-dançar. Efeitos, ângulos, cortes, repetições, silêncios… que tal Conversas de jardim? Afinal, não me venha com um boi se podemos ornitorrincos. Dançar no vídeo versus vídeo-dançar. E por alguns instantes desconfiei daqueles que nem conheço, mas que pronunciam “participei de um vídeo-dança, fiz um vídeo-dança” quando poderiam apenas declarar “vídeo-dancei”. Pareceu-me que é a isso que o vídeo-dança convoca, convida: à invenção, inclusive, de um novo vocábulo, só pra início de conversa. Utilizar um outro verbo para acompanhar a expressão “vídeo-dança” é se colocar de fora, quase na insignificância de um apêndice que, como dizem, só serve pra dar problemas… E isso, de alguma maneira, explicou-me um pouco do abismo que muitas vezes se impõe entre mim e as produções contemporâneas: vivo a indiferença não somente porque me afastam ou afasto a mim mesma, mas porque seus criadores estão afastados, distantes, ausentes. E aí, sabemos, vira representação, contação de história, só que dessa vez mal feita porque não desejou existir assim.

A sessão foi encerrada com o documentário DanzaSur, de Tamara Gonzalez (2015), sobre o estado da dança contemporânea na América do Sul. Descolonizar, criar, inventar, produzir, descobrir… É o que temos para o hoje e certamente para o sempre.

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* As palavras que dançam são títulos de curtas.

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