Ascenção, insetos fazendo amor, corpos fundidos pelo abraço de pescoços, um enorme e misterioso nu feminino agachado sobre arrecifes, pássaros filosofantes na corda bamba. E se há um farol, vem o gigante para fazê-lo em pedaços.
Estamos nos domínios da arrojada imaginação de Clara Moreira, circundados por este vasto espaço de reconfigurações onde os símbolos sugerem atmosferas ainda por fazer, realidades recém-intuídas e voláteis, mas de repente tornadas matéria diante de nós. Artifício de desenhista: a partir desse ofício a artista realiza seus arranjos figurativos e ao mesmo tempo projeta reflexões sobre os modos de traçar o real através do diálogo entre figura, corpo e ideia.
As formas de grande escala são trabalhadas nas micro-extensões do detalhe, aos poucos. Pontas duras e finíssimas de grafite percorrem superfícies lisas, amplas, e o papel de algodão é friccionado pelos lápis de cor até surgirem novas camadas que avançam e conquistam terreno, absorvem olhares. Clara, inclusive, exibe um vasto repertório: da figura humana à anatomia de pássaros e insetos – da paisagem natural ao emaranhado urbano.
Seus trabalhos evocam a espontaneidade e a liberdade de sua formação estética. Quando cursava arquitetura, a jovem cinéfila participava ativamente do cineclubismo e dava sua contribuição criando cartazes para os encontros da seita recifense da sétima arte. Desse movimento resulta uma intensa colaboração com festivais e cineastas. Aqueles que acompanham o cinema brasileiro dos últimos dez anos – essa sinédoque do cinema pernambucano – em algum momento já se deparou com algum cartaz feito por ela.
Para a Barril, Clara Moreira traz uma mostra de sua produção mais recente. Sem filme, só desenho.
(texto de Igor de Albuquerque)