Rizoma | Cênicas


Foto de Nina La Croix

Rizomapa do acontecido

maio de 2016

Edição: 4


Sobre Como Medeia Para Minha Mãe, de Lara Duarte

Era uma vez, Medeia era uma mandioca. Vivia fincada na terra, espasmódica, assim como o nariz do meu amigo ao lado, visivelmente alérgico ao teatro contemporâneo. É que tinham usado terra de verdade, em vez de pintura em lona de caminhão. Amigo que depois, não se aguentando em coriza, levantou-se, fazendo de máscara a echarpe preta que Olga tinha lhe passado por cima de mim, enquanto assistia atento ao nascimento da Tuberculosa frente à Grande Mãe. alexsim, ó sim, Alex, ó, ó, Ó, Poeta (que ganas de sofrer quando encontro poetas), assim vestido, de máscara provisória para assistir ao teatro contemporâneo, de pé, parado atrás dos outros, fungando e tossindo forte, lembrou um blackblock ou um rebelde qualquer que, mesmo morrendo (e todos os rebeldes algum dia morrem), não sei por que diabos insiste em expect(or)ar teatro.

Agora vem a parte que todos “x”s ocidentais já sabem, a MTM – Moira Trágica Maior: Batatinha quando nasce (…) . Sambão triste. Mas antes de qualquer prosseguimento, Aviso aos Espectadores de Aquário (não o signo): a Mãe de Lara é a mãe de Lara de verdade, e Medeia é Lara e a Mãe de Lara. Quando por fim se livra da terra o Aipim, sob os olhos da Mãedioca, Abramovina transforma-se em Matrioska, falando ela mesma sobre sua própria constituição. Matrioska assim transmudada é uma feminista russa radical, e perceba que radical vem de raiz, explicando aí pra você ó, que curte essas drogas explicativas, o uso das anteriores metáforas tuberculosas.

Quando fala ao povo grego, baiano e troiano sobre sua ontologia secreta, é como se fosse uma filósofa pré-socrática que se sentasse, diva no divã, e revirando a mesa, dissesse aos cidadãos que ficassem quietinhos no seu canto (sem biscoito) e que agora era a vez das concidadãs, raízes radicais livres que nascem uma de dentro das outras, e olha só que é verdade, eu mesmo escrevi sobre isso há pouco, at the Paulada Silva Selva’s performance act, em que uma boceta gera outra que gera outra que gera outra e etceteras, e a incrível possibilidade que elas têm de formar exércitos, educar seus exércitos e invadir e destruir impérios se assim o quiserem, coisa que aliás nem foi pensada por mim mas sim numa lombra coletiva anos atrás, caminhando pela orla de Maceió com o amigo argentino Gast (“convidado” em alemão) e a Geóloga Fem-Marxista Haffa Gah-Rafa e sua metralhadora cannábica, lombra essa que hoje em dia me faz lembrar Daenerys & seus Apelativos Dragões ou: Carla Perez, a Libertadora de Pássaros Tropicais (com Lázaro Ramos, Fábio Vidal & grande elenco).

O fato é que a Mãetrioska se mostrou uma atriz e tanto. Uma da maiores diversões de estar em cena é saber que se pode parar o espetáculo quando quiser, ou simplesmente torná-lo impossível, intragável, enfim. Esse é um prazer a que, infelizmente, poucos se dão. Limpoide Contemporanoide, ou Limpoide Classicoide, você escolhe. Por isso sempre existirá uma superioridade dos não-atores sobre os atores, dos não-dançarinos sobre os dançarinos, e por aí vai. Por exemplo, se destacássemos apenas a série dos “nãos” proferidos + olhares enviesados de Mãerina Abramovic à Lariska Duartina, isso poderia ser usado em Epopeias Magníficas saídas da Pena Contemporânea daquele blackblock evocado anteriormente por nós.

Depois o público é gentilmente convidado a dar uma de coro trágico regido por Laravska, sem esquecer, é claro, a citação do “fora, temer”, novo meme preferido de #artistas&intelectuais_unidos_pelo_Brazyl. Ninguém optou pelo repetidíssimo “fora memer”, mas, porra, acabaram botando Deus na história, o maior meme de todos, e não foi nem Zeus, que era foda como o é a Bossa Nova, segundo Caetano — foi Deus mesmo, aquele cadáver mirrado.

E foi então que se deu, sob a batuta da atriz, uma das cenas mais incríveis já vistas no Theatro Brazyleiro desde os 15.487.346 efeitos de luz do polonês Ziembinski, que sempre constarão nos anais da História do Theatro Brazyleiro como os 15.487.346 Efeitos de Luz mais históricos da História dos Efeitos de Luz da História do Theatro Brazyleiro: todos sorrindo, juntos, alegres e descompromissados, como numa cena da primeira fase de Godard (“ai que crítico”).

Portanto, com Lariska Duartina o Theatro encontra a possibilidade de ser Avacalhação Encantada, e isso por si só já justificaria um viver. Contra todos os tédios histriônicos das reencenadas tragédias corporais, sofri-mentais e goiabada-com-queijo da Écolle Etnocenologique de Theátron da Bahêa, sou mais essa fodástica luz rosa-pink e curtição, Ideias-Cheque Ostentação de Novas Pensadoras da Vida, junto com aglomeração de Jovialidade (sem idade) em torno de Terra Fértil (embora um tanto alergênica), mas Reunidora em sua propriedade mais Lúdica, Lúcida, TransLúcida, Fundamental & AntiFundamentalista.

Termino por aqui porque eu não sou obrigado.

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