Crítica da Crítica | Cênicas


Foto de Lucas Emanuel

Portal pro agora

junho de 2017

Edição: 13


Se tem uma coisa que favorece a permanência de um visitante em qualquer site é a facilidade da navegação. O portal Farofa Crítica, de Natal (RN), apresenta já em sua página inicial o conteúdo que produz e que deve em primeiro lugar ser acessado: fotos de eventos cênicos com um botão central “leia as críticas”. Do que se trata o projeto, quem são os farofeiros, os festivais que já cobriu e o meio para contato podem ser explorados caso se deseje, mas o convite primeiro é bem claro: leia as críticas.

O site foi inaugurado em dezembro do ano passado e desde então é alimentado toda semana, por seis críticos em revezamento, com textos sobre eventos oriundos da programação natalense, mas também de festivais de outras regiões do Brasil.

A descrição do projeto já anuncia que o Farofa Crítica surge “num cenário deserto de críticas nas áreas de teatro, performance e dança”, apesar de serem as artes cênicas umas das mais organizadas no estado, segundo o Tribuna do Norte, que acrescenta: “a crítica tem papel importante no amadurecimento artístico do segmento cultural”.

Parece ser um consenso, no âmbito da conversação, a relevância da crítica para o desenvolvimento daquele domínio sobre o qual lança seu olhar. Quando o assunto está no campo do abstrato, ou seja, quando não se refere a nenhum crítico especificamente, mas à crítica em geral, não consigo vislumbrar uma roda de conversa na qual uma das opiniões seja: “a crítica não deve/ria existir, a crítica não faz sentido” etc. Ao mesmo tempo, aqueles que se arriscam em adotar uma “atitude crítica” diante de qualquer “produção de pensamento” (definição de arte dada por Heloísa Sousa do Farofa Crítica) nem sempre é visto com bons olhos, sabemos.

Certamente em função desse paradoxo, o crítico, isto é, aquele que ousa suspeitar, recusar, questionar um discurso afirmado em determinada obra, tende a argumentar sobre seu trabalho em um tom quase de defesa: “Não estamos aqui para falar mal de ninguém; fazemos isso com respeito aos artistas, às obras; o objetivo é dialogar etc.” Quando, na verdade, esses propósitos já serão inevitavelmente revelados na própria produção crítica, o que deveria poupar o crítico das justificativas prévias, afinal, se a crítica deve lançar questões, sabemos que perguntar não ofende. O Farofa Crítica, a par dessa realidade, finaliza sua descrição: “Lançando nossos olhares, corremos riscos de colher sentimentos. E é para correr riscos que existimos”.

Ao que parece, um cenário deserto de crítica, no qual a mesma é exaltada em teoria, porém pessoalizada na prática, não é uma particularidade de Salvador. Assim como não são infundadas as suspeitas lançadas pelos artistas àqueles que se põem a criticar; afinal, muitos críticos ainda estão mais preocupados em (des)qualificar uma obra a partir das verdades que sustentam seus corpos cansados que levantar questões, construir pontes ou iluminar bordas.

A despeito da maneira por vezes descritiva de se relacionar com os espetáculos, o Farofa Crítica possui um frescor na maneira de se comunicar que funciona como um eficiente chamado à curiosidade pelo portal. Não me refiro apenas à estrutura do site em si, mas também às obras que os críticos escolhem examinar, ao tom que dão às suas críticas, bem como às questões eleitas para reflexão. Tanto as obras (as que pude conhecer a partir das críticas) quanto o tom, como as questões se cunham na expectativa pelo diálogo, pelo encontro, ainda que discordante. E o frescor do Farofa Crítica, analisando os três pontos que trouxe, reside em não mais se apoiar em qualquer verdade que seja, mas, ao contrário, na puerilidade de quem estende a mão.

O debate sobre a contemporaneidade e o modo contemporâneo de criticar aguçam o interesse pela cena de Natal – cena tão pouco considerada e que ao mesmo tempo se mostra tão potente, como acontece, é bem verdade, com todo o horizonte das artes cênicas no Norte e Nordeste: verdadeiro portal para o agora aviltado pela remota esqualidez do que chamam de eixo.

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