Tradução | Literatura


Hilma af Klint, Svanen, nr 17, grupp IX/SUW, serie SUW/UW, 1915 © Stiftelsen Hilma af Klints Verk.
Foto: Albin Dahlström/Moderna Museet

As épocas de transição sempre geraram produtos híbridos de aspecto desagradável. Existe um animal que serve de elo entre os mamíferos e as aves: o ornitorrinco. Este animal possui bico de ave, põe ovos e é mamífero. 

Esse feio produto zoológico me fez lembrar, por associação de ideias, de um certo produto híbrido do feminismo. 

Embora seja defensora dos direitos da mulher, não deixo de considerar desagradável certo elemento que emerge do feminismo e que, pensando bem, não passa de uma torpe combinação da velha habilidade feminina com retalhos intelectuais. 

Este perfumado feminismo deixa feias manchas em uma causa que necessita de um sóbrio valor moral para se impor. 

Coloquemos um caso: uma senhora sente-se cheia de vigor masculino; quer viajar como jornalista e consegue uma credencial de um jornal que a certifica como sua repórter.

Esta senhora não fizera outra coisa na vida além de lixar as unhas, mas possui lustre o suficiente para não exercer um papel totalmente opaco. 

A senhora sai de seu país rumo aos limítrofes, cuja imprensa cumprimenta em visita pessoal e em nome do jornal que representa. 

A senhora é bela e, quando seu talento acaba, utiliza graciosamente os olhos, diz quatro coisas nebulosas, inventa extravagâncias, deixa escapar algumas futilidades… mas o sorriso é sempre gentil… Enfim, a pessoa feminina triunfa em nome de um feminismo que ela mesma inventa, pois essas artes nasceram com Eva, e o verdadeiro feminismo que procura a dignificação da mulher, que busca elevá-la acima do instinto, sofre uma baixa, enquanto a ativa dama consegue um artigo em um jornal ou revista, e o mundo sabe que ela existe.

Casos como este não são exceção: muitos deste tipo ou mesmo semelhantes acontecem; porém, me conforta pensar que isto acontece, aconteceu e acontecerá com todos os movimentos humanos.  

Ao mesmo tempo em que os convencidos lutam para impor o feminismo séria e nobremente, outros elementos especulam e se aproveitam dele para o brilho pessoal. 

Não acredito, certamente, que pelo fato de sair do lar, a mulher deva perder sua graça feminina natural; no entanto, entre conservá-la sem violência e manejá-la obscuramente, distorcendo o feminismo, há uma grande diferença que até os mais desavisados pegam no ar.


Tradução de Ayelén Medail 

Alfonsina Storni (1892-1938) foi uma poeta, professora, jornalista, ensaísta e dramaturga argentina de origem suíça. Começou vinculada ao modernismo hispano-americano, mas logo se aproximou dos grupos de vanguarda marginais de Buenos Aires, e hoje ela faz parte do cânone da literatura argentina. Desafiou as normas impostas às mulheres da época com sua temática de denúncia, tanto em sua poesia como em suas publicações jornalísticas. Após empreender uma luta contra o câncer de mama, se lançou ao mar na cidade de Mar del Plata. Um dia antes, escreveu seu último poema “Voy a dormir” e o enviou ao jornal La Nación. Este ensaio foi publicado originalmente no jornal La nota, em 02 de maio de 1919.

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