O que a gente do mundo branco das artes não consegue entender é que, no diálogo que nós, indiasnegroshomossexuais estamos instaurando, as justificativas coerentes e limpinhas que costumam convencer curadores não nos convencem. De tão autocentrada e convencida de seus discursos viciados pela linguagem de projetos, essa gente parece trabalhar com a hipótese de que nossas críticas estético-sociais (pautadas no extermínio das “diferentonas”) se fundam numa incompreensão das obras e que, portanto, tudo ficará bem desde que se possa explicá-las de maneira exclusivamente artística. Comportamento caraterístico de um grupo circunstancial, produto de uma categoria inventada por esta rede de relações na qual artistas, curadores, galerias, instituições, feiras de arte, mídia, coletores, clientes habituais, casas de leilão, fundações e empresas estão aparelhados de modo a garantir a permanência de um sistema de arte fundado em transações capitalistas especulativas. Por isso talvez respondam a tais críticas políticas como se preenchessem a ficha de inscrição de um edital. Vem ficando bem evidente que a arte política atual não passa de um embuste, cuja politização se limita à definição de temas, sem implicar jamais em uma politização ética capaz de excitar processos de desconfiguração do papel do artista engajado, papel esse que já não convence a ninguém, exceto o próprio sistema de arte. Por exemplo: pouco importa se o conceito do trabalho de um Rafucko e todo o aparelho que legitima sua ação consista em ironizar as estratégias de marketing das Olímpiadas no Rio, invertendo a representação idílica da cidade maravilhosa em um escancaramento das políticas de terror do Estado contra a vida das pessoas pretas e pobres nas periferias. Isso talvez sirva para ser dito no discurso de um vernissage, enquanto o público arrota cerveja e palita os dentes sujos de canapê. Pois é certo que uma mudança na auto compressão coletiva vem assumindo a cena no Brasil. É verdade que os artistas brasileiros despertaram para as questões políticas que estavam esquecidas e até mesmo recalcadas, mas isso não deve ser trazido apenas a nível de ”consciência revolucionária” artificialmente adquirida. Por isso não devemos acobertar o fato de um crescimento de tendências fascistas, de ódio à alteridade capitalista — a negros, índios, homossexuais. O que importa é que esses tiros (para usar uma metáfora bélica) saem amiúde pela culatra, e como balas perdidas reencontram justamente as mesmas feridas que esta promoção artística engajada prometera vingar. Não dá mais para coexistir com quem naturaliza essas violências.
Irrigar essas questões sistêmicas tem o sentido de uma descolonização epistêmica importante, capaz de nos fornecer outros esquemas de pensamento e conceitualização da ética e da política que sejam capazes de nos levar além desse esgotamento dos projetos políticos ocidentais que tem, a cada dia que passa, mostrado com mais força os limites de sua retórica. E é isso que o sistema colonizado das artes não está conseguindo entender:
Senta que lá vem papo
Até quando vamos nos contentar
com esses espaços & discursos de opressão mascarados de liberdade, engajamento & empoderamento?
Não só o mundo branco das artes,
mas seja quem for
– homens, mulheres, trans, queers,
branc@s, negr@s, indígen@s, mestiç@s brasileir@s & de todo mundo –
ou quem quer que seja que queira ser legitimado
POR & através desses mercados.
Porque não tem outro nome,
é quase sempre o poder, pelo
mercado & pelo dinheiro branco
banhado em suor de exploração
& não pela nossa autonomia de realização,
pelo processo lento de construir junto & nos problematizando.
Sim, é cansativo pra caralho trabalhar em conjunto,
ainda mais se sustentar, entender, se aceitar,
se auto-criticar & se auto-afirmar.
Mas vamos ter que quebrar a cara quantas vezes pra aprender
que quem faz o rolê – plural – somos nós?
Qual o sentido de buscarmos aceitação por instituições de arte & de cultura,
pela academia, pelo mercado de trabalho, &projetos desenvolvidos apenas
por homens que só valorizam o trabalho dos homens,
por brancos que não querem entender seu privilégio,
por ricos que não querem dividir o poder,
por pessoas que preferem competir do que agregar
& ideologias colonialistas, machistas & patriarcais
que não querem se questionar?
Por mídias opressoras,
marcas de roupa, de bebida, suas festas openbar,
mendigar produtos de graça em troca de
hashtags,
sorrir amarelo pra curador interesseiro,
nos selfiar ~bonitinho~ pra ter o abraço
da beleza renascentista & supremacia branca, pelo capitalismo que engole o sofrimento
& transforma tudo & todos
em modelos de uma felicidade colorida que não nos contempla,
em negadores de nossa própria história, nossas dores,
do nosso próprio corpo, da nossa vivência
& elogiadores de tudo que nos mandam ser,
do que parece interessante como temática momentânea.
Que compram nosso ego destruído por eles mesmos
& transformam nossas descobertas de identidade fluidas,
miscigenadas, sofridas, plurais, errantes
– que ainda são processos dolorosos de descolonização
em TOD@S nós –
em objetos massivamente lucrativos pra eles, piadas sem graça, arte de palhaçadinha
estética pitoresca & branding
de péssimo tom com o sofrimento nosso & do outro?
Quando é que vamos mudar o foco da aprovação alheia
& agregar os discursos de opressão pra nos fortalecer?
Por que & pra quê competir pela quantidade de sofrimento
& utilizar do que é mais fácil – o outro –
em vez de nos ligarmos justamente
aos nossos flagelos
& sermos sinceros com eles?
Por que não nos unirmos também pela crítica
& em vez de implorar o elogio do outro,
não tentar compreender o que o incomoda
em nós
& no mundo também?
Será que não existe uma dor
que contemple a todos
nós que sofremos pelo esvaziamento da experiência,
da troca
& da solidão
da vida capitalista
online & contemporânea
Good morning, working class~~~˜
Uni-vos no debate.
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