Ensaio | Cênicas


NARRATIVA DO AGORA

abril de 2016

Edição: 2


O diálogo enquanto guerrilha metogológica

O que a gente do mundo branco das artes não consegue entender é que, no diálogo que nós, indiasnegroshomossexuais estamos instaurando, as justificativas coerentes e limpinhas que costumam convencer curadores não nos convencem. De tão autocentrada e convencida de seus discursos viciados pela linguagem de projetos, essa gente parece trabalhar com a hipótese de que nossas críticas estético-sociais (pautadas no extermínio das “diferentonas”) se fundam numa incompreensão das obras e que, portanto, tudo ficará bem desde que se possa explicá-las de maneira exclusivamente artística. Comportamento caraterístico de um grupo circunstancial, produto de uma categoria inventada por esta rede de relações na qual artistas, curadores, galerias, instituições, feiras de arte, mídia, coletores, clientes habituais, casas de leilão, fundações e empresas estão aparelhados de modo a garantir a permanência de um sistema de arte fundado em transações capitalistas especulativas. Por isso talvez respondam a tais críticas políticas como se preenchessem a ficha de inscrição de um edital. Vem ficando bem evidente que a arte política atual não passa de um embuste, cuja politização se limita à definição de temas, sem implicar jamais em uma politização ética capaz de excitar processos de desconfiguração do papel do artista engajado, papel esse que já não convence a ninguém, exceto o próprio sistema de arte. Por exemplo: pouco importa se o conceito do trabalho de um Rafucko e todo o aparelho que legitima sua ação consista em ironizar as estratégias de marketing das Olímpiadas no Rio, invertendo a representação idílica da cidade maravilhosa em um escancaramento das políticas de terror do Estado contra a vida das pessoas pretas e pobres nas periferias. Isso talvez sirva para ser dito no discurso de um vernissage, enquanto o público arrota cerveja e palita os dentes sujos de canapê. Pois é  certo que uma mudança na auto compressão coletiva vem assumindo a cena no Brasil. É verdade que os artistas brasileiros despertaram para as questões políticas que estavam esquecidas e até mesmo recalcadas, mas isso não deve ser trazido apenas a nível de ”consciência revolucionária” artificialmente adquirida. Por isso não devemos acobertar o fato de um crescimento de tendências fascistas, de ódio à alteridade capitalista — a negros, índios, homossexuais. O que importa é que esses tiros (para usar uma metáfora bélica) saem amiúde pela culatra, e como balas perdidas reencontram justamente as mesmas feridas que esta promoção artística engajada prometera vingar. Não dá mais para coexistir com quem naturaliza essas violências.

Irrigar essas questões sistêmicas tem o sentido de uma descolonização epistêmica importante, capaz de nos fornecer outros esquemas de pensamento e conceitualização da ética e da política que sejam capazes de nos levar além desse esgotamento dos projetos políticos ocidentais que tem, a cada dia que passa, mostrado com mais força os limites de sua retórica. E é isso que o sistema colonizado das artes não está conseguindo entender:


Senta que lá vem papo

Até quando vamos nos contentar

com esses espaços & discursos de opressão mascarados de liberdade, engajamento & empoderamento?

Não só o mundo branco das artes,

mas seja quem for

– homens, mulheres, trans, queers,

branc@s, negr@s, indígen@s, mestiç@s brasileir@s & de todo mundo –

ou quem quer que seja que queira ser legitimado

POR & através desses mercados.

Porque não tem outro nome,

é quase sempre o poder, pelo

mercado & pelo dinheiro branco

banhado em suor de exploração

& não pela nossa autonomia de realização,

pelo processo lento de construir junto & nos problematizando.

Sim, é cansativo pra caralho trabalhar em conjunto,

ainda mais se sustentar, entender, se aceitar,

se auto-criticar & se auto-afirmar.

Mas vamos ter que quebrar a cara quantas vezes pra aprender

que quem faz o rolê – plural – somos nós?

Qual o sentido de buscarmos aceitação por instituições de arte & de cultura,

pela academia, pelo mercado de trabalho, &projetos desenvolvidos apenas

por homens que só valorizam o trabalho dos homens,

por brancos que não querem entender seu privilégio,

por ricos que não querem dividir o poder,

por pessoas que preferem competir do que agregar

& ideologias colonialistas, machistas & patriarcais

que não querem se questionar?

Por mídias opressoras,

marcas de roupa, de bebida, suas festas openbar,

mendigar produtos de graça em troca de

hashtags,

sorrir amarelo pra curador interesseiro,

nos selfiar ~bonitinho~ pra ter o abraço

da beleza renascentista & supremacia branca, pelo capitalismo que engole o sofrimento

& transforma tudo & todos

em modelos de uma felicidade colorida que não nos contempla,

em negadores de nossa própria história, nossas dores,

do nosso próprio corpo, da nossa vivência

& elogiadores de tudo que nos mandam ser,

do que parece interessante como temática momentânea.

Que compram nosso ego destruído por eles mesmos

& transformam nossas descobertas de identidade fluidas,

miscigenadas, sofridas, plurais, errantes

– que ainda são processos dolorosos de descolonização

em TOD@S nós –

em objetos massivamente lucrativos pra eles, piadas sem graça, arte de palhaçadinha

estética pitoresca & branding

de péssimo tom com o sofrimento nosso & do outro?

Quando é que vamos mudar o foco da aprovação alheia

& agregar os discursos de opressão pra nos fortalecer?

Por que & pra quê competir pela quantidade de sofrimento

& utilizar do que é mais fácil – o outro –

em vez de nos ligarmos justamente

aos nossos flagelos

& sermos sinceros com eles?

Por que não nos unirmos também pela crítica

& em vez de implorar o elogio do outro,

não tentar compreender o que o incomoda

em nós

& no mundo também?

Será que não existe uma dor

que contemple a todos

nós que sofremos pelo esvaziamento da experiência,

da troca

& da solidão

da vida capitalista

online & contemporânea

Good morning, working class~~~˜

Uni-vos no debate.

***

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