Rizoma | Cênicas


DRAMÁTICAS

junho de 2016

Edição: 5


Rizoma criado a partir da leitura dramática de “A mulher do fundo do mar”, no Festival da Nova Dramaturgia de Melanina Acentuada.

CENÁRIO

Uma sala com piso de madeira, e paredes de pedra faltando alguns pedaços. Algumas fileiras de cadeiras dispostas de frente para uma mesa atravancada de objetos. Um telão com uma luz alaranjada atrás da mesa. Nas duas janelas visíveis, pessoas espiam apreensivas.

CENA 1

Na mesa, uma mulher do fundo do mar ouve o som do mar em uma concha. Pessoas se acomodam nas cadeiras em frente à mesa.

VOZ EM OFF: Era uma leitura, mas não era uma leitura. Por que sendo uma leitura não podia ser, de fato, uma leitura?

Mulher do fundo do outro mar fecha os olhos.

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: Vou manter assim fechado, tá?

MULHER DO FUNDO DO MAR: Não! (Num grito) Abra! Olhe estou (sublinhando a palavra seguinte) fazendo coisas.

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: (em um tom ingênuo) Tenho limitações. Quero só ouvir.

MULHER DO FUNDO DO MAR: Abra. Venha comigo. Você vai se perder sem isso. (Falando baixo, quase sussurrado) Não estão lendo as rubricas.

(Pausa)

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: Verdade. (Abre os olhos).

CENA 2

A mulher do fundo do mar pega uma lata de ervilha.

MULHER DO FUNDO DO MAR: Desculpe, tenho fome.

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: Vai comer isso?

MULHER DO FUNDO DO MAR: Não. É Teatro.

A mulher do fundo mar pega o vinho.

MULHER DO FUNDO MAR: Desculpe, tenho sede.

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: Vai beber isso?

MULHER DO FUNDO MAR: Vou.

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: Mas não é teatro? Onde não se come, se bebe?

MULHER DO FUNDO DO MAR: Aí já é metafísica.

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: Está falando de Baco?

MULHER DO FUNDO DO MAR: Não de Aristóteles.

Pausa. Riem.

A mulher do fundo do mar começa a retirar coisas da caixa. Tira os três livros de Stanislavski. Pausa. Bebe. A mulher do fundo do outro mar faz um muxoxo

MULHER DO FUNDO DO MAR: O que foi? Já leu?

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: Às vezes acho que ninguém fez isso.

Mulher do fundo do mar ri e continua a tirar livros da caixa. Dessa vez tira três grandes tomos idênticos, de capa dura e envelhecida. Cada um com um título em letras douradas: Professor da ETUFBA 1, Professora da ETUFBA 1, Professor da ETUFBA 2, Professora da ETUFBA 2. Mulher do fundo do outro mar faz muxoxo novamente.

MULHER DO FUNDO DO MAR:(Com tom de desdém) Jovens! (Com ar professoral) Não sabem apreciar a complexidade destes livros.

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: Quem disse que eu disse isso? (Com ar de revanche) Já nadei nesse mar aí. Só não escolhi ficar. Eu estou certa. Você está certa. Estamos certas.

MULHER DO FUNDO DO MAR: Você está na superfície.(Sorriso malévolo)

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: (Com ar de ofendida) E você no eixo (Sorriso malévolo)

CENA 3

Toda a sala está escura. Foco de luz na Mulher do Fundo do Mar e um outro foco de luz na mulher do fundo do outro mar. Ambas seguram um espelho.

MULHER DO FUNDO DO MAR: (Grita para o espelho) Me deixem navegar!

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: (Grita para o espelho) Me deixem navegar!

MULHER DO FUNDO DO MAR: (Grita para o espelho) Me deixem navegar!

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: (Grita para o espelho) Me deixem navegar!

MULHER DO FUNDO DO MAR: (Grita para o espelho) Me deixem navegar!

MULHER DO FUNDO DO OUTRO MAR: (Grita para o espelho) Me deixem navegar!

Luzes se apagam.

FIM

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