Rizoma | Cênicas


Foto de Gabriel Oliveira

(DE)FORMAÇÃO DE QUADRILHA

junho de 2017

Edição: 13


(sobre uma noite junina da Terça Estranha, na casa de show de drags Âncora do Marujo)

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Malayka SN amava Ah!Teodoro q amava Loren Taba

q amava Frutífera Ilha q amava Babi Lon Labatut q amava Mamba Negra

q ñ amava ninguém.

Malayka ficou bem tranquila, Ah!Teodoro se lambuzou de dendê

Loren foi lá fora dar uns tapas na Taba, Frutífera Ilha ficou para tia cis,

Babi Lon Labatut bateu cabelo e Mamba Negra se enroscou com Vanusa

que não tinha entrado na história.

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São algumas terças estranhas que venho frequentando e coligindo impressões em formas de nota. Nunca sei exatamente o que dizer além de um sentimento entre pertença e estranhamento. Uma vez Gina D’Mascar (Google pesquisar urgente!) me disse que não entendia a proposta. Eu retruquei que também não. Mas o que que a gente entende mesmo? O que a gente precisa entender? ZMário, de quem roubo muita coisa, inclusive a ideia de plagiar Quadrilha de Drummond, foi embora pra Brasília, mas continuo indo ao Âncora assistir como se estivesse indo com ele, vendo com o olhar dele essa arte distópica, fora da galeria, que é também de rua, porque as Monxtras são menos um coletivo de drags que penduram tudo o que a cola Super Bonder© permitir em suas peles e barbas do que um delirium ambulatorium coletivo.

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Cheguei tarde. Mas que importa? Este texto vai pra uma coluna chamada Rizoma, portanto não tem começo nem fim. Não pretende dar conta da complexidade das relações humanas. Não é romance, é um rizoma sobre um evento junino de uma noite temática da casa de shows de Drag mais interessante da América Latina que conheço (talvez pareando com a cubana Las Vegas, embora a nossa casa soteropolitana abarque muito mais diversidade de estéticas, como as Monxtras da Terça Estranha, as Bonecas Pretas, os vários concursos muito mais interessantes que Ru Paul Drag Race e tantas e tantas desfilando suas propostas fechativas sob o olhar de Rainha Loulou, a diretora de arte direta e indireta de todas as noites do Âncora do Marujo).

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Como não ir pra um evento junino sem ter o olhar afetado pela discussão levantada por Elba Ramalho sobre a música sertaneja universitária nos eventos de São João? Ainda mais que Rainha Loulou estava lá e eu sou do tempo em que ela dublava mais Elba do que Madonna. Fiquei pensando que se Elba estivesse no Âncora (e estava) nesse dia ia confirmar que o sertanejo universitário ocupou até o São João da Terça Estranha cheia de drags super informadas do que há de mais contemporâneo dentre o que há de mais contemporâneo e talvez por isso não coubesse nenhum trio de forró ali entre as músicas dubladas, pelo menos no largo intervalo de tempo em que lá estive. Mas ah, queria muito ouver Mamba Negra dublando Luiz Gonzaga. Mas como Mamba Negra: androginia vigorosa, precariedade programática, fumaça de cigarro para compensar a máquina de fumaça que chegou na casa, mas quebrou antes de funcionar.

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“Sou pássaro de fogo

Que canta ao teu ouvido

Vou ganhar esse jogo

Te amando feito um louco

Quero teu amor bandido”

(Malayka SN lipsinxit)

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Babi Lon Labatut, com um chapéu feito do disco da novela Sétimo Sentido, dubla Jonny Hooker e “esse amooooooooorrrrrr marginaaaaaaallll” me parece tão junino quanto “no São João eu não / no São João eu não / eu não tenho alegria / só porque não vem / só porque não vem / quem tanto eu queria”.

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“Como dizia  João Cabral de Melo Neto

‘um galo sozinho não tece a manhã’”

(Frutífera Ilha lipsinxit)

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Malayka SN & Ah!Teodoro vestiram Calcinha Preta juntxs e Elba Ramalho não gostou. Eu tampouco, mas vejam bem, são uma dupla que recomendo conhecer mesmo que você seja Elba Ramalho.

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Ah!Teodoro me lembra o ator Zé Carlos de Deus quando o conheci no final dos anos 80 e acho que eles nem se conhecem. Pelo physique du role (em português “físico de cu é rola”), pelo talento, pelo fascínio que me desperta quando sobe ao palco. Dizem que escrever com exclamação é pobreza de estilo. Só que estou falando de Ah!Teodoro.

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Mamba Negra é contundente, ácida, desconstruidona, mas olha Vanusa com tanta ternura que esta dando churria naquela é o pulo da gata pra driblar a peleja da travesti fora da cena brigando pelo foco.

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Não vou fazer ilações sobre os sentidos de Formação de Quadrilha, pensando na arte como guerrilha nem tampouco no momento político atual de sempre do Brasil porque não sou obrigada a nada, beu abô.

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Tem uma hora que saio e fico conversando com Lucas Féres, performer, e encontramos Mell, pessoa em situação de rua, mulher negra que sempre que me encontra pergunta sobre a programação cultural de Salvador, que adora transformistas e que também me provoca essa sensação oscilante entre pertença e estranhamento. De repente nos damos conta de que nós três estamos de verde e tiramos selfies. Mais tarde eu tiro selfies com Malayka SN e Mell. E é nessa hora que a Terça Estranha me diz mais pertença do que estranhamento. E agora, sim, é noite de São João. Olha pro céu, beu abô.

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Sempre volto à Terça Estranha como quem vai à aula de reforço da lição que Ednardo me ensinou na infância sobre os que, por pura conveniência, se dizem os iguais para que sejamos nós os diferentes:

“eles são muitos

mas não podem voar”

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