1 1
Abril, cujo odor nos augura Avril, dont l’odeur nous augure
Renovado prazer, Le renaissant plaisir,
Tu descobres no meu querer Tu découvres de mon désir
A secreta figura. La secrète figure.
Ah, pagar a murta ao Mirtilo, Ah, verse le myrte à Myrtil,
A íris à Desdêmona: L’iris à Desdémone:
Para mim duma rósea anêmona Pour moi d’une rose anémone
Se abre o negro pistilo. S’ouvre le noir pistil.
2 2
Na ardente lareira de inverno Toi qu’empourprait l’âtre d’hiver
Tu, como um rubro nu Comme une rouge nue
Onde já se desenhou nu Où déjà te dessinait nue
O aroma de tua derme; L’arôme de ta chair;
Nem vós, de imagem de utopia Ni vous, dont l’image ancienne
Meu coração cativa, Captive encor mon cœur,
Ilha velada, sombras vivas, Île voilée, ombres en fleurs,
Noite de Oceania; Nuit océanienne;
Não mais teu perfume, flor turva Non plus ton parfum, violier
Sob a mão que te envasa, Sous la main qui t’arrose,
É inválida a rosa em brasa Ne valent la brûlante rose
Que ao meio-dia curva. Que midi fait plier.
4 4
Tais rosas por mim destinadas Ces roses pour moi destinées
Pra escolha de tua mão, Par le choix de sa main,
Amanhã, ao primeiro clarão, Aux premiers feux du lendemain,
Elas estarão fanadas. Elles étaient fanées.
As horas vão caindo implumes Avec les heures, un à un,
Na bandeja de cobre, Dans la vasque de cuivre,
Tine seu cálice e livre e pobre Leur calice tinte et délivre
Uma alma a seu perfume Une âme à leur parfum
Ligada, no entanto, ó Desvirtude, Liée, entre tant, ô Ménesse,
Através de travessuras, Qu’à travers vos ébats,
Ouço ressoar, às escuras, o J’écoute résonner tout bas
Fim de minha juventude. Le glas de ma jeunesse.
5 5
No leito vasto e desvastado, Dans le lit vaste et dévasté
Abro os olhos perto dela; J’ouvre les yeux près d’elle;
Roço-a: um sonho infiel vela Je l’effleure: un songe infidèle
Beijando-a ao meu lado. L’embrasse à mon côté.
Uma luz cortante e mordente Une lueur tranchante et mince
Recorta o meu aposento, Échancre mon plafond,
Longínquo, sob o pavimento Très loin, sur le pavé profond,
Escuto um balde estridente. J’entends un seau qui grince…
9 9
Noturno Nocturne
Ó mar, tu que eu sinto fremir Ô mer, toi que je sens frémir
através da noite oca, À travers la nuit creuse,
feito peito de amante louca Comme le sein d’une amoureuse
que não pode dormir. Qui ne peut pas dormir;
Grave, o vento bate na falésia! Le vent lourd frappe la falaise…
É zombeteira canção Quoi! si le chant moqueur
da sereia-coração? D’une sirène est dans mon cœur —
Ó coração, sublime moléstia. Ô cœur, divin malaise.
Sem mais lágrimas, nem ter Quoi, plus de larmes, ni d’avoir
ninguém por ti a chorar. Personne qui vous plaigne…
Baixo, feito flanco a sangrar, Tout bas, comme d’un flanc qui saigne,
ele começa a chover. Il s’est mis à pleuvoir.
Paul-Jean Toulet (1867-1920) foi um escritor e poeta francês. Autor de vários romances e contos. Otto Maria Carpeaux, nos Ensaios Reunidos, diz que: “Entre a poesia prosaica […] e a poesia profunda, a que chamam ‘metafísica’, Toulet está pouco à vontade”. Pois o poeta francês produziu uma poesia “simplesmente poética.” Sem ser, contudo, poèsie pure. Les Contrerimes é a reunião póstuma da sua obra, publicada alguns meses depois que o poeta faleceu. A contenção sentimental e o domínio de ritmo e forma são admiráveis. Parafraseando Mário Faustino, Paul-Jean Toulet é um grande poeta menor. Na Internet é possível encontrar o livro completo, aqui: http://www.florilege.free.fr/toulet/
João Filho é poeta.