Treta | Cênicas


Confissões de Mulheres de 30, atualmente em cartaz no Teatro Módulo, se configura como uma remontagem de uma peça que estreou em 1993 e que pretendia, como diz no próprio release, traçar um “perfil sociológico e bem-humorado das mulheres de 30”. A peça é dirigida por Fernando Gomes (diretor da primeira versão da peça) e adaptada por Domingos Oliveira.

Enquanto estrutura não surpreende. Atende ao padrão das peças ditas “comerciais” e “besteróis”, mas enquanto temática se apresenta como um desserviço ou poderia dizer ainda como um óvni deslocado no tempo-espaço, e é neste segundo aspecto que eu concentro a minha análise.

No ano passado, vivemos o que foi considerado como a “primavera feminista no Brasil”. Muito se discutiu (discussões estas que continuam acontecendo) acerca da representação da mulher, dos lugares de fala, das metas e conquistas políticas, da naturalização da violência, da cultura do estupro, da objetificação feminina, da legislação sobre o corpo e prazer femininos. Tais discussões foram colocadas em diversas iniciativas artísticas dentro e fora de Salvador, e é impossível negar que em 2015, se falou de MULHER. E me parece que Confissões de Mulheres de 30 tentou aproveitar essa onda – Já que está se falando de mulher, vamos nessa.

Permitam-me agora compartilhar uma experiência, que por vezes servirá de ilustração no decorrer da minha fala.

Certo dia, por conta de um acidente, precisei arrancar um dente. Lá, não lembro como, comecei a discutir feminismo com o meu dentista, e ele me falou que tinha assistido uma peça feminista: Confissões de Mulheres de 30. Pronto. Acabou a história.

Creio que ele (O dentista) entendeu que para uma peça se enquadrar como uma peça feminista, basta que fale de mulher. Mas algumas perguntas importantes foram desconsideradas por ele: De que mulher falam? O que falam sobre a mulher? E para quem falam?

É preciso deixar claro, antes de mais nada, ter consciência de que em nenhuma de suas peças de divulgação a peça se coloca como uma peça feminista, mas essa colocação de meu dentista reitera o meu argumento sobre o deslocamento desta peça no tempo-espaço.

Percebam: Se vivemos uma nova onda feminista, falamos bastante em mulher, se falamos em mulher estamos falando em feminismo. Este raciocínio à primeira vista pode parecer insignificante, mas, ao contrário, me parece bastante grave, levando em consideração que nós, militantes feministas, estamos em processo de “definir” as características da onda feminista na qual estamos inseridas, e superar todas as distorções e descontextualizações nocivas que estamos vivendo no cenário político como um todo.

Confissões de Mulheres de 30, além de ser dirigida e adaptada por homens, inspira-se no conceito de um outro homem, Honoré de Balzac (autor do “clássico” A Mulher de 30 anos) que deu origem ao termo “mulheres Balzaquianas”. Este termo é usado para classificar as mulheres entre 30 e 40 anos, considerando esta fase o ápice da maturidade da mulher para o amor. Li em alguns lugares que esta síntese de Balzac é a melhor síntese dos desejos e angustias das mulheres de 30 anos (Claro, quem melhor para definir o que uma mulher pensa e sente do que um homem?!).

Esta obra é um reforço de clichês e estereótipos disfarçado de bom humor. E corrobora a naturalização das violências (principalmente emocionais) contra as mulheres. Apoiando e reforçando a imagem da mulher louca e neurótica. Em algumas cenas de maneira mais gritante do que em outras.

Esta obra é um reforço de clichês e estereótipos disfarçado de bom humor. E corrobora a naturalização das violências (principalmente emocionais) contra as mulheres.

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