Selfie | Cênicas


DANÇAR PARA NÃO SURTAR

abril de 2016

Edição:


Uma militante diante da cerimônia “inclusiva” do Prêmio Braskem de Teatro 2015

SELFIE 1

Hora de apresentar as artistas que concorriam ao Prêmio Braskem 2015 de melhor atriz. Neste momento, toda a agonia sentida até ali chegou a seu ápice.

Melhor atriz, melhor momento para falar da questão da mulher. Lógico. Este é o lugar da mulher na cadeia teatral. Atriz. Musa. Por que eu milito pelo entendimento da atriz como pensadora, autora, propositora? Mas vamos falar que antigamente mulheres atrizes eram vistas como putas, porque dessa maneira deixamos claro que estamos do lado da mulher –é sério que precisa voltar tanto para falar das opressões cotidianas das atrizes? Voltava logo pra Grécia quando os homens usavam máscaras para fazerem personagens femininos à lá Femme face.

Respirei. Respirei. E respirei de novo. Finalmente as três atrizes e cantoras maravilhosas, que ficaram o tempo inteiro fazendo figuração durante este grande espetáculo que se propõe ser a cerimônia, falaram. Tinham a fala. Agora sim. Vou poder parar de me mexer na minha cadeira. Será?  

Vamos perguntar às atrizes concorrentes se já sofreram assédio. Vamos perguntar as atrizes o que elas acham de cantadas de rua. Vamos perguntar as atrizes se já receberam propostas sexuais indesejadas. Vamos perguntar as atrizes se é mais fácil ser mulher ou ser atriz. Vamos expor as atrizes. Vamos. Estamos fazendo um serviço. E estamos sendo engraçados. Para não dizer indelicados. Irresponsáveis. E, principalmente, para não dizer machistas. E é claro vamos colocar os homens para fazerem essas perguntas, enquanto deixamos as três atrizes apresentadoras no palco, no escuro.

Nessa hora, não só respirava e me mexia na cadeira, mas executava uma dança de uma complexidade absurda, da qual jamais me julgaria capaz. Tudo isso para conter o impulso de sair correndo. Mantive minha fé. Vai melhorar. Eles irão se retratar. Deve fazer parte da proposta.

Mas não. A coisa foi ficando pior. Meu celular começou a vibrar – facebook, whatsapp, telegram – os meus amigos queriam saber o que eu estava achando, ou simplesmente me pedir para respirar. Mais?  O caminho entre uma pergunta e outra era pontuado por inúmeras piadas machistas, batidas, clichês.

Pensei: ou eu perdi meu senso de humor, ou tem alguma coisa muito errada acontecendo aqui. Continuei dançando na cadeira e olhando para os lados tentando verificar qual das duas alternativas me pareceria mais acertada.

Então, no meio dessa busca, vejo um rapaz, sentado duas cadeiras a minha direita se mexendo na cadeira também. Ele comentava com dois amigos, que um fulano aí tinha razão em assediar a atriz tal, afinal ela é muito gostosa. Ele ria e se bulia todo. Ele repetia: “com razão. Com razão. Até eu”.

Parei de dançar e fiquei olhando para ele. Querendo constrangê-lo tanto quanto ele me constrangia. Mas, a diferença entre nós dois era que ele estava apoiado pela cerimônia – posso jurar que ouvi algum dos atores fazendo um comentário parecido – ali ele tinha senso de humor e eu não. Ele me viu – pelo menos se constrangeu. E eu continuei olhando para ele. Entregaram o prêmio. Saí sem pedir licença ao rapaz. E fumei. Quando voltei, ele tinha mudado de lugar, e eu já não era mais capaz de assistir à cerimônia. Mas fiquei lá. Na minha cadeira. Respirando. Sem dançar. Sem assimilar mais nada, e me perguntando quando vão entender que ser aliado de alguma militância não é aprender a falar sobre ela, é aprender a abrir espaço para que se fale.

SELFIE 2

Curta e Grossa

Fui assistir à cerimônia do Prêmio Braskem 2015, como boa parte da “classe” artística de Salvador. Fui a contragosto, mas mesmo assim fui. O mais curioso é que não tinha nenhuma arma apontada para a minha cabeça, mas mesmo assim fui.

Na verdade, acho que fui pelo tema da cerimônia. Não achando que ia ser bacana. Minha descrença chegou a extremos. Acho que fui para me torturar mesmo.

Conclusão: Não era para eu ter ido. Foi racista, homofóbica, machista e machista e machista. Ou não foi nada disso e eu que sou chata.

Mais do mesmo na cerimônia. Mais do mesmo nos meus textos.

Ponto final

– Versão pós-votação da Câmara dos Deputados no processo do Impeachment –

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