Crítica da Crítica | Cênicas


Tapas Simbólicos

abril de 2016

Edição: 3


Todos estamos mais ou menos cientes acerca dos estudos sobre a espetacularidade no cotidiano, e de uns meses para cá estamos acompanhando um dos maiores espetáculos nacionais que me lembro de ter presenciado: o processo golpista de impedimento da Presidenta da República. Com uma audiência tão grande e tão diversa que ganhou cobertura no Snapchat[1], além de todos os meios oficiais de comunicação.

Enquanto assistia ao afastamento, desta senhora de 68 anos, foi impossível não lembrar de um dos dias mais marcantes da minha vida: o dia em que ela tomou posse. Subindo a rampa, acompanhada da filha. Sem homens. Tendo o exército (que a torturou) sob seu comando.

Na época não tinha consciência de feminismo, e pouquíssimo conhecimento político, mas, como quem acompanhava um filme, pensei “Nossa! Que reviravolta desta personagem”.

Me referi ao dia da posse da Presidenta da República pelo poder simbólico daquela subida na rampa.

Não sejamos ingênuos, símbolo é poder. E a maior parte das primeiras medidas tomadas pelo presidente golpista interino, foram tapas simbólicos nas nossas humildes caras, embora, é claro, sentiremos os efeitos reais muito em breve.

O poder simbólico da “destituição” de Dilma também é avassalador, e logo em seguida extinção do Ministério das Mulheres e da Igualdade Racial – outro tapa simbólico – e a extinção de um ministério que ocupava 0,38% do orçamento da União, o Ministério da Cultura, com a justificativa de se estar fazendo uma economia de gastos – mais um tapa simbólico aqui. Tais medidas deixam claro que dentre as prioridades do governo, cultura e equidade serão deixadas de lado, para não ser pessimista e dizer: serão massacradas. Com efeito, pela primeira vez na minha “tenra juventude”, presencio uma discussão nacional do que é cultura.

Até então só tinha vivido a cultura e pensado sobre ela no ambiente acadêmico. Ter que retornar aos estudos etimológicos da palavra ao invés de avançar em novas proposições culturais, revela o grau do retrocesso vivido em poucos dias da posse do governo interino. Por outro lado, ter que lembrar e relembrar que antropologicamente a cultura é maior do que nossas proposições artísticas, pode nos fazer sair deste momento fortalecidos de alguma forma. Forçando-nos enquanto artistas a sairmos do confortável lugar de desligados do mundo ao relembrar a abrangência funcional do Ministério da Cultura. É com tristeza que digo: Não sejamos Caetanos.

Sei que para os leitores desta publicação não é nenhuma novidade o que apresentei até então, mas repito na esperança de que, graças ao atual momento, levemos mais a sério a inserção de outros públicos nesta discussão. Públicos estes que não estão se furtando a criticar este grande espetáculo.

Parte desta crítica do público nos manda buscar o Ministério do Trabalho. Repetindo como papagaios o discurso de políticos “bem intencionados” cientes do tamanho do poder simbólico. Seja o cristo, ou o verde e amarelo, ou o vermelho etc. Por que esta parcela repete o mantra do “Vá trabalhar”? Por não se verem representados? Por não se verem incluídos? Por não se sentirem parte? A sensação que tenho é de que o mesmo público que sumiu do teatro grita para nós, que fazemos teatro, “Vá trabalhar”. “Vá trabalhar”. “Vá trabalhar”.

É com tristeza que digo: Não sejamos Caetanos.

Não é comum dizer, “Não faço espetáculos para a classe. Faço para o público”? Pois então, o público está criticando. Faremos vista grossa a essa crítica, como fazemos quando raramente alguém se propõe a “criticar” algo, como viemos tentando fazer nesta revista? Ou faremos o que?

Uma outra problemática levantada para nós, trabalhadores das artes, nesta crítica explicitamente realizada pelo governo golpista interino, é o conceito de “classe artística”. Tal termo sempre foi controverso, seja pelo aspecto institucional, tendo um sindicato praticamente inativo ou pela impossibilidade de unificação das proposições estéticas. Mas, de qualquer maneira, um grupo de trabalhadores completamente desarticulado (sendo classe ou não) se vê obrigado a se entender como classe para realizar as ocupações artísticas e pensar junto estratégias.

Por outro lado, tem sido animador ver, perceber e participar de variadas frentes de resistência. Sejam as ocupações artísticas, seja a manutenção de suas atividades como quem diz “continuaremos”, seja a interrupção de seus eventos para acompanharmos as novas peripécias políticas, sejam as problematizações acadêmicas ou as atividades nas ruas. Independente de qual frente de atuação seja mais “eficiente” (digo eficiente por falta de uma palavra melhor), alguma coisa está movimentando o cenário soteropolitano das artes, realinhando e/ou reconfigurando a relação entre o artista e o político. É preciso aproveitar o momento para compreender a complexidade das redes das quais fazemos parte, e evitar a todo custo cairmos na tentativa de homogeneização que aparece sempre tentadora em tempos de crise.

Acredito que o momento, antes de um chamamento para união (embora de maneira nenhuma esteja deslegitimando esse movimento), é um chamamento ao diálogo. Estaremos juntos e diferentes resistindo, ou não estaremos.

[1] Aplicativo de vídeos autodestrutivos.

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