Selfie | Cênicas


Foto de Dôra Almeida

“Se” Mágico

setembro de 2016

Edição: 8


Selfie de Diego Pinheiro vendo O Galo, direção de Luís Alonso

Ser artista e compor, juntamente com outros artistas, um coletivo de crítica têm sido, definitivamente, um rico aprendizado. Quando falamos em “exercício da crítica” é porque, de fato, se configura num treino extremamente abstruso: aquietar um pouco nossas ambições estéticas para adentrar o universo poético do outro, sem contar com a disponibilidade empreendida. É por isso que eu acredito que as grandes potências críticas estão com os próprios artistas. O trabalho está sendo demasiado grande para que vejam, simplesmente, como um bando de jovens intelectuais e “contemporaneozinhos”.

Tenho experimentado e estudado minhas iniciativas críticas. Venho tentando não permitir que minhas “projeções estéticas” interfiram demasiadamente na análise por mim feita – embora, em algum nível, ela sempre esteja lá, presente, logo, “expectante” por natureza. Contudo, também sou passível de projetar minhas inócuas ambições de maneira categórica.

Ver o espetáculo O Galo, me fez constatar que ainda sustento muito do “SE eu estivesse fazendo isso, faria assim ou assado”.  Para compor esse texto tive que acessar alguns documentos, alguma coisa que apontasse o resquício de um pensamento ante crítico. Lá estava, nos recônditos porões da academia de arte, um exercício crítico sobre a peça O Olhar Inventa o Mundo, da CIA dos Novos. Crítica que eu tive de refazer 2 duas vezes para cumprir o anseio catedrático – que tempos sofridos foram aqueles de meus primeiros anos numa universidade.

Além da exigência em se ler a peça teatral, ou seja, desvendar os signos propostos, e dizer, como quem traduz uma língua para outrem, do que se trata; tinha de apontar lacunas e faltas, encontrar defeitos necessários, inclusive, para a evolução do artista criticado. A partir daquele dia foram anos entrando no edifício teatral, e em outros lugares de performance, tentando observar tudo. Nada poderia fugir aos meus olhos sagazes… Dark times. O que a gente não faz para não parecer uma porta diante de nossos colegas de sala. Ser aluno de uma escola de teatro foi tão deprimente quanto ser adolescente.

Entro na rinha d’O Galo e dou de cara com uma luz hospitalar dessas lâmpadas bastão (não sei ao certo o nome dessa lâmpada) e durante a minha caminhada já ergo meu olhar um pouco mais acima, percebo que, em algum momento da peça, a lâmpada irá subir ou descer. “Significa que o diretor não quer sujar demais aquela cena com aquele objeto central a perturbar nossa visão o tempo inteiro”. SE eu fosse Alonso, eu perturbava.

Olho os projetores em cada extremidade do retângulo minimal. Observo dois bandolzinhos (um em cada projetor) que será acionado por alguém fora de cena. Os bandolzinhos protegem os quadros brancos de serem atacados pela luz gelada dos projetores em hora indevida. “Significa que projeção que é projeção tem de entrar na hora certa.” SE eu fosse Alonso… faria o mesmo.

Olho outros elementos cenográficos que estão fora de cena e que, logicamente, possuem rodinhas que favorecerão os atores em seus manuseios. “Significa que o diretor quer dar dinâmica para a peça.” SE eu fosse Alonso, esqueceria aquele galinheiro de metalon.

As projeções, em hora cirúrgica, se apresentam em momentos de contação, de narrativa do caso do filho morto. “Significa que, a todo custo, apostando um pouco em algo mais sugestivo, a direção quer deixar claro do que se trata.” SE eu fosse Alonso… sei lá o que eu faria.

Vejo que os figurinos estão dependurados em uma estrutura próxima à arena em extremos opostos (na verdade, ambos, um pouquinho longe do centro), e que, detalhe, além dos figurinos em si, outros elementos estão à disposição. “Significa que a intenção da direção asséptica e simétrica é de localizar aquelas personagens: de um lado, figurinos masculinos e chapéus, de outro, figurinos femininos e conchas de feijão – que, num átimo marfuziano, funcionarão como lanternas, luminárias, talvez, que provocarão uma lúdica contracena”. SE eu fosse Alonso, não localizaria tanto.

Observo o dedão da mão direita de Cláudia Di Moura dando três levíssimas batidinhas na mesa, no começo da peça. “Significa que ela espera. Logo, estamos localizados pelo verbo e pela ação.”. A angústia daquelas três leves batidas permeará a peça inteira. SE eu fosse Alonso, pediria para Cláudia sofrer menos. SE eu fosse Cláudia, tentaria parar de sofrer.

Ouço a “voz de ator” de Lúcio Tranchesi, espaçada, mais na região da cabeça e super bem articulada, sem aquela baguncinha. “Significa que eu tenho que entender o texto mesmo”. SE eu fosse Alonso, pediria para Lúcio apostar numa sujeirinha, contrapondo o espaço purificado da encenação.

A trilha possui um tema, um estribilho por boa parte da peça. Começa com a voz ancestral de Violeta Parra. “Significa que a encenação quer dizer que ‘estamos na América do Sul, do Chile à Colômbia’.” SE eu estivesse dirigindo… ???.

O galinheiro que estava fora de cena entra. “Significa, mais uma vez, que há a tentativa de localizar espacialmente. O coronel e sua esposa estão no galinheiro.” SE eu fosse Alonso, só deixava a mesa mesmo.

A encenação, além de limpa, não se preocupa, isso de modo intencional, em mostrar todos esses elementos fora e dentro de cena a partir da composição minimalista da arena. “Significa que……..

– Isso eu não peguei.

Mas, SE eu fosse Alonso, não apostaria nessa estratégia que me remete a todo um histórico de teatro na Bahia.

Bem, agora é só pensar no como eu posso contribuir para a evolução desses artistas.

Penso:

“Diego… melhore.”

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