Ficção e Poesia | Literatura


Ilustrações de Iuri Casaes

kkk

outubro de 2020

Edição: 21


 

Na imagem o vermelho toma conta.

Que só há céu na imagem e o artista coloriu de vermelho o céu.

O que tem de branco na imagem é um membro da Ku Klux Klan flutuando.

Flutuando porque enforcado num balão de São João.

É branco o balão, branco e abóbora.

Pouco parece sentir quanto pesa o morto o balão de São João.

As bandeirolas logo abaixo do morto também elas brancas e abóboras, alternando.

Preto o poste e preto o fio onde penduradas as bandeirolas, preto também os contornos das bandeirolas, do balão, do corpo do membro da Ku Klux Klan.

Pretos os dois pontinhos cada um deles um olho morto do membro da Ku Klux Klan enforcado num balão de São João.

Encontrei o artista na Internet, isto é encontrei o artista por acaso.

Outra arte desse artista.

O mesmo mundo vermelho mais uma vez.

Seis membros da Ku Klux Klan mortos empilhados.

Um poste trespassa os corpos dos seis membros da Ku Klux Klan empilhados, e brota do topo da pilha.

Bandeirolas para todos os lados, alternando bandeirola branca bandeirola abóbora bandeirola branca etc.

No alto do poste uma bandeirinha solitária,

É vermelha do mesmo vermelho que o artista escolheu pro céu, que o artista escolheu pro sangue dos membros da Ku Klux Klan mortos empalados pelo poste.

Mostrei especificamente essa arte a um amigo meu, e esse meu amigo me contou que era muito violenta essa arte, ele é dessa opinião.

Especificamente o que esse amigo meu me falou, que essa arte, apesar de parecer que foi uma criança que fez, é muito violenta.

Eu por outro lado sou da opinião que pensar que não estão mortos os membros da Ku Klux Klan, isto é não estão mortos ainda, possibilita uma apreciação inteiramente diferente dessa arte.

Foi nesse ponto, batendo minha opinião contra a opinião do meu amigo, que esse meu amigo se sentiu abalado, ele inclusive me disse isso, estou abalado, e pelo restante do dia passou de amigo a somente colega de trabalho.

Como podia eu! que tanto lia poesia.

Eu, que tanto leio poesia, lembro do membro da Ku Klux Klan enforcado num balão de São João, seus pezinhos pendurados.

Dessa vez se debatem os seus pezinhos pendurados.

Não conto pro meu amigo mas só porque ele está lá abalado no canto dele.

Não faz mal, isso sozinho se conserta, temos muito em comum eu e meu amigo.

Por exemplo detestamos o presidente do nosso país, aliás detestamos ele e toda a sua família.

Outra arte daquele artista, terceira e última da sua série de São João.

Vermelho.

Dois postes ao fundo, as bandeirolas e tal.

No meio da imagem uma fogueira de São João, o fogo do abóbora das bandeirolas.

Um membro da Ku Klux Klan morto no meio do fogo.

Só que quando imagino acabo imaginando quase morto o membro da Ku Klux Klan no meio do fogo.

Não deu outra, dia seguinte aquele amigo meu era meu amigo novamente.

Maldizemos o presidente e a família presidencial.

Todo cidadão do nosso país não somente maldiz o presidente e a família presidencial mas, secretamente, também fantasia a morte deles todos, é tudo o que digo a meu amigo, por mais abalados que digam ficar quando alguém confessa essa fantasiação.

Tu tá é mais sozinho do que pensa, é tudo o que me diz o meu amigo.

Por mais que tentem convencer que estamos sozinhos quando confessamos, foi um pouco do que não disse ao meu amigo.

Mais.

Que qualquer cidadão do nosso país aprovaria pegar o presidente e trocar ele de lugar com aquele membro da Ku Klux Klan, o morto ou quase morto no meio da fogueira de São João.

Talvez eu entre em contato com o artista e dê a ideia.

Como posso eu que gosto tanto de poesia.

Aprendi bastante lendo poesia.

Uma das lições que aprendi lendo poesia eu aprendi lendo um poema do provavelmente mais importante poeta do meu país.

O poema do poeta mais importante do meu país sendo ele próprio sobre uma lição que o poeta aprendera, por sua vez, de um pintor.

Consta no poema que certo pintor disse que quadro nenhum está acabado.

Que se pode sem fim continuá-lo primeiro ao além de outro quadro e que toda tela tem nela oculta uma porta e dá prum corredor essa porta e esse corredor dá pra muitas e muitas outras telas com suas próprias portas ocultas e portanto corredores depois dessas portas.

Sou da opinião que a apreciação desse poema do provavelmente mais importante poeta do meu país possibilita uma apreciação inteiramente diferente das três pinturas que descrevi até o momento.

Isso porque possibilita que pensemos um mundo vermelho em que toda noite é noite de São João.

E onde nos é possível brincar ao redor dum poste alto alto.

Pra logo depois nos aquecermos ao pé duma fogueira de São João ali perto, ela alta alta.

Pra no final nos sentarmos um do lado do outro e darmos as mãos nós todos, pra juntos assistirmos subir um balão lá pro alto.

Eu tenho portanto muita razão em gostar de poesia o tanto que eu gosto.

Se me recordo direito tem um pintor americano que fez fama pintando membros da Ku Klux Klan, só o seu nome que não me vem.

Inclusive fez fama pintando também um presidente americano, só que o seu nome também não me vem, o do presidente.

Penso, o presidente tem exatos oito filhos, todos homens e todos políticos como é político o pai, isto é, parasitários, facilmente intercambiáveis eles e aqueles membros pintados da Ku Klux Klan.

Oito.

Pois se o poste for alto mesmo, dá sim.

Que é violento por demais, me dizia meu amigo.

Que por exemplo se todos os racistas, imagina só se todos os racistas, me dizia meu amigo, todos os racistas, ao mesmo tempo, morrem, não acaba o racismo, morre todo mundo mas não morre o racismo.

Que é com a educação que a gente vai se salvar.

Pergunto, a gente tem que educar os racistas?

Sim, a gente tem que educar os racistas

A gente tem que salvar os racistas? eu pergunto.

Assim é que ficam abalados os nossos amigos.

Um dos sites de notícia do meu país ficou extremamente abalado com o comentário de um de seus colunistas, ele aliás um dos maiores escritores do meu país.

O escritor postou em uma rede social, estava escrito na notícia, essa em um segundo site de notícia.

Minúscula a notícia, leitura de um minutinho.

Desconheço o porquê de sempre deixarem de dizer o nome da rede social na notícia.

É o Twitter a tal rede social, no caso uma rede social só de escritos minúsculos esboçados às pressas, que há muito tem tornado redundante os sites de notícias menos minúsculas mas também esboçadas às pressas.

Nesses sites de notícias é costume publicar textos sobre o estado de degradação desses sites de notícias.

Textos comumente imensos.

Na contramão dos costumes da rede social em que escreve o escritor, o escritor não escreveu nada apressadamente.

Verdadeiramente, o escritor acordou e somente deu os retoques finais na redação duma metáfora que demorou trezentos (300) anos para ser redigida.

Trezentos anos de trabalho é um trabalho fodido.

Portanto o escritor foi fazer um café.

Digo que a tal metáfora demorou trezentos anos para se formar porque de fato foi proposta faz trezentos anos, porque uma metáfora do Iluminismo francês.

Propunha que se estrangulasse a nobreza nas tripas do clero.

Uma variante, que com as tripas do último padre estrangulemos o último rei.

Todavia a variante do colunista, ele por acaso um dos maiores escritores atuais do meu país, propunha que com as tripas do último pastor da igreja neopentecostal mais parasitária do nosso país estrangulássemos o último membro da família do presidente do nosso país.

Pois infelizmente, no intervalo em que se faz um café, provou-se verdade a sentença daquele meu amigo, tu tá é mais sozinho do que pensa.

(A metáfora postada pelo escritor provara-se a verdade ainda antes de de fato escrita, mas como se verá ninguém ou quase ninguém dos que toparam com a metáfora estava lá para conhecer a verdade nem ser salvo por ela.)

Que verdadeiramente é muito amado não somente o presidente do nosso país mas também todo o restante da família presidencial.

E que quem muito ama nosso presidente e sua família presidencial muito odeia quem deplora nosso presidente e sua família presidencial.

Inclusive comumente é costume demonstrarem que nos odeiam com o dobro em ódio do amor que declaram ao presidente lá deles.

Tamo é muito mais sozinho do que pensamo.

Sentou-se o escritor com seu café e o que a Internet propunha era que com suas próprias tripas fosse estrangulado um dos maiores escritores atuais do meu país.

Teve também outras propostas.

Por exemplo que com as próprias tripas do escritor os apoiadores do presidente estrangulariam suas picas.

Outro exemplo que com as tripas do último escritor se estrangulasse a última escritora, é claro enquanto os apoiadores do presidente a estuprassem.

Me veio o nome do presidente americano pintado pelo pintor americano, é Nixon o presidente, Richard Nixon.

Retornando porém ao artista que por acaso encontrei na Internet, ele não somente pintou membros da Ku Klux Klan mortos ou quase mortos numa festa de São João.

Tem também uma série que se passa numa praia.

Essa série é anterior ao uso do abóbora pelo artista.

O mesmo mundo vermelho, mas o que não é vermelho é contorno e portanto preto, e o que não é nem vermelho nem preto é geralmente o branco do membro da Ku Klux Klan morto ou quase morto.

Uma ilhazinha, sobe o sol lá no fundo.

Brota da ilhazinha uma palmeira alta alta.

Um membro da Ku Klux Klan morto ou quase morto enforcado na palmeira, mas bem que podia ser o presidente morto ou quase morto ou mesmo um dos muitos filhos muito homens do presidente mortos ou quase mortos enforcados na palmeira.

Quem sabe se todos os oito.

Dá pra pintar a palmeira um tanto mais curvada em direção à areia.

Tem espaço também pro pai.

São fortes as palmeiras vermelhas.

Certamente entrarei em contato com o artista, darei a ideia.

Após pressão dos apoiadores presidenciais, o site de notícias comunicou que não era mais colunista deles um dos escritores mais importantes do meu país.

Brabo demais o mar, indica a bandeira que pende por culpa do peso do membro da Ku Klux Klan morto ou quase morto, aliás transpassado por ela.

Vermelha a bandeira como vermelho o mar, a areia, o céu e o sangue.

O tal site de notícias não somente demitiu o escritor que escrevia colunas por lá, mas também comunicou que utilizando do espaço dado por eles esse escritor disseminara discurso de ódio.

Fincaram na areia um guarda-sol.

Fincado na areia o guarda-sol sim mas também através da cabeça dum membro da Ku Klux Klan morto ou quase morto.

Lê-se no guarda-sol, ora letras brancas sobre lona vermelha ora letras vermelhas sobre lona branca, ITAIPAVA.

Contei ao meu amigo o caso do escritor demitido do site de notícias.

Fui informado que dificilmente se diz site de notícias quando se refere ao site de notícias em questão.

Meu amigo me informou que um nome mais apropriado seria por exemplo veículos jornalísticos.

Portanto logo pensei no veículo jornalístico viajando pruma praia.

Seus passageiros então descendo do veículo jornalístico pra irem brincar na areia.

Imaginei enorme o veículo jornalístico, enorme e branco.

Seus passageiros fincando guarda-sóis na areia, bebendo cerveja Itaipava, fazendo uso duma rede de vôlei de praia.

Imaginei aliás aquele mundo em que o vermelho toma conta.

Uma rede de vôlei de praia é claro numa praia, o sol subindo é claro no céu lá no fundo.

Pouca coisa menos alta que o sol, é uma cabeça a bola de voleibol, cabeça dum membro da Ku Klux Klan, dessa vez definitivamente morto.

Tenho de entrar em contato com o artista e dar a ideia, também definitivamente.

Entretanto, no caso da cabeça do membro da Ku Klux Klan ser substituída pela cabeça do presidente do meu país, uma apreciação totalmente diferente dessa imagem é possibilitada ao imaginarmos a cabeça do presidente ainda gritando.

Pelo conhecimento que qualquer cidadão do meu país possui do seu presidente, quer o apreciem ou não, inclusive combina bastante com o presidente não parar de gritaria ainda que morto.

Todavia vale dizer que a cabeça do presidente do meu país, se decepada e se ainda gritando, o que gritaria muito provavelmente seriam os mesmos insultos com os quais os cidadãos do meu país há muito alimentam o ódio que brotou dentro deles contra o presidente, contra o país e contra eles próprios.

De qualquer modo por muito tempo permaneceria gritando a cabeça decepada do presidente do meu país, sejam gritos de dor ou de insulto.

Cabeça que antes de ser cabeça decepada estava é claro colada a um pescoço.

Pescoço que estrangulamos nas tripas do último filho do presidente do nosso país.

Filho que fora ele próprio estrangulado nas tripas do último dos seus irmãos, e por aí vai, até toparmos com o ponto inicial, onde tínhamos uma família presidencial inteira.

Meu país sendo um país de tamanha violência que, em algum ponto de suas dimensões continentais, encontra-se alguém capaz de dizer se sim, é possível ou se não, é impossível ao ser perguntado sobre ‌a possibilidade de se enforcar alguém em tripas, sejam essas tripas as tripas da própria pessoa ou as tripas de terceiros.

Num mundo em que quem toma conta é o vermelho, ‌é possível.

Nesse mundo, também é possível uma pessoa se deparar com um veículo jornalístico enorme e branco estacionado na areia mesmo duma praia.

A qualquer pessoa é possível se sentar sob um guarda-sol previamente fincado na areia por alguém que não se encontra mais por ali.

Sendo possível também, e até sem esforço algum, brincar sozinho com uma bola de voleibol, a rede de vôlei de praia inútil.

Talvez, com o esforço considerável, seja possível inclusive fazer uso da tal rede de vôlei de praia sozinho, passando por debaixo dela a tempo de receptar a bola de voleibol do outro lado.

Porém não é qualquer pessoa que é capaz de nadar sozinha até uma ilhazinha ali perto, especialmente se na bandeira está indicado que está brabo demais o mar, mas ainda assim é possível, só não é recomendável.

Pensando melhor, no meu país mesmo muito provavelmente quem procurasse encontraria mais de uma pessoa apta a responder uma pergunta daquelas, a pergunta acerca da possibilidade ou não do estrangulamento com tripas.

Mais importante ainda é o fato de que cidadão algum de meu país quedaria assim tão surpreso se por acaso fosse informado de que o estrangulamento com tripas na realidade faz parte da biografia do nosso país, que o estrangulamento com tripas na verdade escreveu muitas e muitas páginas da história desta terra que tem palmeiras e bá babá, babá babá.

Noite dessas eu e meu amigo saímos, e nessa saída conheci os demais amigos dele.

Na mesma saída conhecendo então os amigos desses amigos dele meu amigo.

Essa noite uma amiga duma amiga dum amigo do meu amigo me disse amigão, eu cheguei a contar, você sabe o que é isso? cheguei a con-tar, ela me disse.

Falava duma entrevista dada por um professor universitário a um veículo jornalístico, isto é um programa de entrevistas.

Especificamente, falava da quantidade de instâncias em que o professor universitário, que era uma autoridade em racismo, foi a expressão da qual ela fez uso, fora interrompido pelos seus entrevistadores, que em nada se importavam com a relevância do que dizia ele, o professor universitário negro, ali para falar de racismo.

Eu con-tei, continuava ela, e me contou um número do qual não me recordo, tudo que recordo é de que era um absurdo o número.

Naquela entrevista se tivessem cortado uma vez só que fosse já teriam cortado demais, disse alguém, e outro alguém Não é nem que cortaram o professor é que fatiaram, fatiaram o professor, aqueles racistas.

Eis que escuto que tinham que ter caído duros ali mesmo aqueles racistas, e era o meu amigo falando.

Do que eu tenho certeza mas certeza mesmo é de ter lembrado meu amigo do fato de que, tivessem caído duros durinhos ali mesmo todos os entrevistadores, e simultaneamente todos os demais racistas não somente do nosso país mas do mundo como um todo, quem morrem são os racistas, o racismo não morre.

Depois mais alguém comentou, inclusive foi você, foi você quem primeiro me informou desse fato, não sei quem, talvez tenha sido eu mesmo.

E outro alguém brotou do nada e adicionou a seguinte informação a nossa conversa, que o professor universitário entrevistado escrevera vastíssima obra, de dezesseis livros, mas que se havia uma maneira de se resumir seus vinte e três livros era essa, que eram vinte e seis livros pra explicar como que, morrendo a totalidade dos racistas sobre o planeta terra, o racismo sobra.

Quando a sentença anterior ainda me era somente uma ideia na cabeça, eu estava todavia certo de que quem falara fora outra pessoa, não fora a minha própria pessoa, mas assim que dei início à sentença anterior essa convicção começou a se dissolver.

Dia seguinte assisti a tal entrevista do professor universitário em meu apartamento.

Assisti não sendo na verdade a palavra apropriada.

Acessei a entrevista, e de fato ouvi a entrevista nos meus fones sem fio, enquanto limpava o apartamento, mas o telefone celular onde a entrevista verdadeiramente estava passando eu pus sobre uma prateleira que a gataria aqui de casa não alcança.

E de qualquer forma a voz do professor universitário que eu ouvi não era a verdadeira voz do professor universitário durante a sua entrevista.

Isso porque somente assisto ou ouço entrevistas depois de aumentar a velocidade do player de vídeo em ao menos cinquenta por centro.

Se cinquenta ou mesmo setenta e cinco por cento mais veloz, a tendência é que qualquer voz vire uma voz ridícula.

Como qualquer assunto, independente da sua seriedade, tende a torna-se assunto pouco sério, tende a ridicularizar-se.

Todavia, enquanto escutava a voz do professor universitário, então transformada numa voz ridícula, e fazia a faxina no meu apartamento, em nada se diminuiu a seriedade do assunto.

Aliás, após cada instância em que os entrevistadores interrompiam o entrevistado, a seriedade do assunto somente aumentou, a urgência do assunto somente aumentou.

O pintor americano que pintou Richard Nixon não era em verdade americano.

Era um canadense o pintor.

Assim que terminada a faxina do meu apartamento, já terminada a entrevista há muito, eu imaginei um novíssimo pensamento do professor universitário.

Perguntam ao professor universitário se, no caso de todos os racistas que andam sobre a terra terem simultaneamente um infarto fulminante, morreria o racismo juntamente com os racistas.

Todavia não termina aí o professor universitário, ele diz todavia se conseguíssemos, se pegássemos e empilhássemos eles todos, e se tivéssemos um poste bem alto, e é nesse ponto que outro entrevistador interrompe o professor universitário.

Sequer cogito, é claro, entrar em contato com o professor universitário pra dar ideia alguma.

É Philip Guston o nome do pintor canadense que apesar de canadense pintou o presidente americano Richard Nixon.

Nas pinturas de Philip Guston impera o vermelho sim, mas igualmente impera o rosa.

A sensação é que há carne e há pele sobre a tela.

Meu país sendo um país de extensões continentais, e que é claro muito ama suas festas de São João, é muito provável que em algum ponto de suas extensões continentais exista quem faça festas de São João na praia.

Aí quem quer segue pra praia dirigindo por exemplo um veículo jornalístico.

Pare na areia seu veículo jornalístico e fincar seu guarda-sol, vá jogar seu voleibol, vá tomar sua Itaipava.

Pra antes da noite chegar auxiliar nos preparativos, por exemplo pendurando bandeirolas, outro exemplo empilhando membros da Ku Klux Klan.

Fazer muitos amigos nessa festa de São João, e pegar na mão deles enquanto se assiste acenderem um balão lá naquela ilhazinha ali.

Pegar até na mão do presidente do nosso país.

E é claro devolver ela pra fogueira.

Abraçar-se a esses amigos e confessar pra eles como é bom estar ali, contemplando o abóbora das chamas, e o vermelho do mundo.

Um detalhe que muito me apetece nas pinturas de carne do canadense Philip Guston, pinturas que agora tenho aos montes diante de mim, é que o canadense Philip Guston, quando pintava o americano Richard Nixon, fazia com que a cabeça de Richard Nixon fosse uma cabeça e fosse simultaneamente um par de bolas acompanhado de sua pica.

Quem quer que se colocasse diante dum quadro do canadense Philip Guston tanto pode entender um nariz como pode entender uma pica, e da mesma maneira lhe é possível ver dois ovos como lhe é possível ver um rosto com a barba por fazer.

Daí entendo que, no caso de ser perguntado se ‌é o Richard Nixon presidente do nosso país esse aí pintado no teu quadro?, o pintor canadense Philip Guston responderia claro que não, não consegue enxergar? é um cara que tem por cabeça uma pica com duas bolas embaixo, e tá de terno o cara, ou então, se fosse perguntado se ‌é só isso mesmo? é só uma pica e duas bolas?, o pintor canadense Philip Guston responderia imediatamente perguntando não reconhece seu próprio presidente?

Internet adentro o escritor que é um dos escritores atuais mais importantes do meu país ainda sofre ataques dos admiradores do presidente.

É admiradores a palavra apropriada, mais que apoiadores, mais mesmo que eleitores.

Comumente detratores do escritor acessam por exemplo o Twitter dele pra comentar digamos que está desempregado o escritor, ou digamos ainda que porque desempregado morrerá de fome o escritor.

Perguntam também vai fazer o que agora que a mamata acabou?, ou então chorou quanto hoje?, ou ainda valeu a pena mexer com o nosso presidente?.

Dizem do escritor que é esquerdista ou comunista.

Tenho por mim que muitos deles, aliás a esmagadora maioria mesmo, não estão cientes de que é um escritor o escritor.

O que acontece é que a totalidade dos detratores do escritor foi se dar contra a persona virtual dele a mando direto não somente do presidente do nosso país, mas também de todos os seus oito filhos também políticos como o pai.

Um dois oito filhos do presidente do meu país, se deparou com a tal sentença de descendência iluminista sobre o enforcamento do último representante da família presidencial nas tripas do último pastor da maior igreja neopentecostal do país.

Diante de toda aquela luz, o filhote do presidente do meu país presumo que perdeu momentaneamente a visão.

Entretanto, ainda que cego, comunicou-se com seus admiradores, deu o nome do escritor, como antes dera o nome de outro escritor, ou dum poeta, dum jornalista, dum desafeto etc., tudo sempre parte duma tática há muito aperfeiçoada pela família presidencial.

E tudo feito no tempo que dá prum escritor fazer seu café.

Aliás antes de terminado o café, talvez, outro filhote presidencial já tivesse passado pelo mesmo processo que o seu irmão.

Pra que, há muito já tendo dado tempo de lavar toda a louça de seu apartamento, o escritor percebesse que todos os oito filhotes presidenciais e o papai deles tivessem repassado seu nome à horda de admiradores da família presidencial.

Assim se deu início à chuvarada de ódio contra um escritor, chuvarada que até agora, isto é, muito tempo depois do acontecido, ainda é forte.

Somando todas essas pessoas, são muitos os números de cidadãos do meu país que nunca leram sequer uma linha sequer dum dos seus escritores mais importantes.

Pior ainda, o número de cidadãos do meu país que, tivessem em mãos uma obra do escritor que estavam odiando, não seriam sequer capazes de se sentirem ofendidos com o conteúdo da obra, ainda que arrastassem seus olhos sobre o papel até eles se desmancharem.

Porque qualquer leitor desse que é um dos escritores mais importantes do nosso país percebe que qualquer parte de sua obra supera em ofensa à família presidencial e seus apoiadores a tal sentença do último membro da família presidencial enforcado em tripas.

Tenho então uma boa ideia pro tal artista que encontrei por acaso.

Membros da Ku Klux Klan mortos ou quase mortos dentro duma biblioteca.

Por exemplo um membro da Ku Klux Klan diante dum livro aberto, com sangue escorrendo de cada olho e o vermelho indo dar no amarelado da página aberta.

Depois de muito aquele membro da Ku Klux Klan ter arrastado os olhos no papel pra entender as palavras no papel que o ofendiam.

Membro da Ku Klux Klan que se morto está quieto mas se quase morto ainda grita, só não se sabe se gritos de dor ou gritos de frustração.

Também me é igualmente tranquilo imaginar ainda outra pintura.

Recentemente atacados pela luminosidade que se contrabandeara dentro dum livro, dois membros da Ku Klux Klan não resistiram aos ferimentos ou ao menos estão muito próximos disso.

Sentados cada um numa extremidade duma mesa de leitura, com as cabeças pegando um fogo abóbora.

O artista obviamente terá mais criatividade do que eu.

Todavia é certo que estou tendo ainda mais ideias aqui, lendo os detratores do escritor pedindo a morte dele em suas redes sociais, e lendo também os apoiadores do escritor tentando salvar os detratores.

Há toda uma série de novíssimas pinturas de membros da Ku Klux Klan ou diante de computadores ou diante de celulares.

Honestamente a maioria das que consigo imaginar me é um tanto semelhante às anteriores, da biblioteca.

Todavia tem uma que impera sobre as demais na minha mente.

Um membro da Ku Klux Klan tem em suas mãos um celular.

Porém dos polegares com que teclava no aparelho só sobraram os cotocos sangrentos.

Ainda assim, só terem sobrado os cotocos sangrentos de seus polegares em nada parece atrapalhar esse membro da Ku Klux Klan definitivamente vivo.

Dentro do branco do capuz um retângulo azulado da luz da tela, especificamente um azul moribundo.

Acabou a mamata, chora foi o que eu acabei de ler.

As sete postagens seguintes sendo todas somente variações dessa mesmíssima zomba.

A escrita dos detratores me proporciona uma quantidade considerável de material de leitura.

Este senhor, por exemplo, seu nome completo é um nome composto seguido de três sobrenomes, eu sei porque é assim que ele se identifica em todas as suas redes sociais.

Portanto não é nada sequer minimamente complexo pular de rede em rede e descobrir o que quiser deste senhor, por exemplo que ele está desempregado.

Este senhor, que tem netinhos lindos, que trabalhou em tal e tal empresa, este senhor que já passou há muito da idade de se aposentar.

Só que é cidadão dum país que não permite que quem deve se aposentar possa de fato.

É porque cidadão há muito passado da idade de aposentadoria mas porém não-aposentado que este senhor dirige o dia inteiro pela cidade, carregando gente indiferente à sua existência.

E com coisa de mais uns quatro cliques fico informado de que este senhor tem quatro filhos, todos homens.

Tomo conhecimento inclusive do fato de que todos esses quatro filhotes se encontram numa situação empregatícia idêntica a de seu pai, isto é, todos dirigem cidade afora, moendo seus ossos numa das profissões mais precárias da modernidade.

Um ataque a um recém-demitido desafeto dos políticos que não somente elegeu mas também admira é uma oportunidade ímpar para este senhor, qualquer um reconheceria, pois é o momento certo para este senhor escrever se fodeu seu comunista, tu agora tá desempregado, seu morto de fome.

Por outro lado, os apoiadores do escritor atacado pela tal horda de admiradores do presidente e de toda sua família presidencial tentam dialogar.

Uma senhora, como pode você já com esses cabelos brancos?, por exemplo, e mais uns tanto de gente explicando ponto por ponto de toda a situação, explicando digamos o que é Iluminismo.

O senhor se o senhor ler Diderot.

Qualquer um que lê Voltaire sabe que.

Acima nacos de dois comentários que muito me interessaram.


Grande parte dessa gente apoiadora do escritor uma gente crente mas tão crente na superioridade da inteligência, gente que quase diria conhecereis o Voltaire e o Voltaire vos libertará.

Todavia é comunista o Voltaire, conforme fomos informados por aquele senhor a quem pelo que parece não adianta muito ter cabelos brancos.

Como é comunista didrot, que é como aquele senhor escreveu Diderot.

Comunistas éramos nós todos, foi o segredo que aquele senhor descobriu, pra depois contar pra gente, nós que escondemos dele aquele segredo por tanto tempo.

Em verdade aquele senhor, bem como todos os demais senhores apoiadores do presidente e da família presidencial, e também é claro as senhoras, e gente mais jovem, geralmente homens jovens mas também jovens mulheres, em verdade toda essa gente fazia mais uso da palavra vermelhos do que da palavra comunistas.

Vermelho, portanto, Voltaire.

Vermelho, também, Diderot.

Vermelho mesmo o autor da metáfora original, autor que não cheguei a nomear, Jean Meslier é vermelho.

As luzes do Iluminismo, descobriram, eras luzes vermelhas.

E nós ali debaixo delas, apoiando o escritor, não passávamos de putas dos vermelhos.

Parecemos de fato estarmos mais sozinhas do que pensávamos, nós as putas vermelhas.

Em recente entrevista o escritor disse que, desde que começada a caçada contra ele, tem tido o trabalho extra de filtrar quem tem e quem não tem acesso a suas redes sociais.

Só que no caso não foram essas as palavras empregadas pelo escritor, porque as palavras que empregou foram quem não quer me matar e quem quer me matar.

Sobre o funcionamento do filtro, revelou que revirava as redes sociais de quem queria contato com ele, procurando pelo perfil típico dum possível assassino seu.

Por exemplo aqui este homem posando diante duma filial da Igreja neopentecostal mais parasitária do meu país, este homem quer me matar.

Outro exemplo esta pessoa com três crianças posando pra foto dentro dum museu, esta mulher eu acho não quer me matar.

Meu amigo do trabalho comentou comigo certa vez que não aguentava mais a burrice, ao que tive que pedir que se explicasse.

Aliás burrice por burrice não é propriamente um problema entenda, problema é a burrice que pisoteia, e daí meu amigo daria continuidade a sua explicação, se eu não tivesse interrompido ele pra dizer que já tinha entendido.

A burrice que pisoteia Voltaire e pisoteia Diderot e pisoteia Jean Meslier.

Burrice que é só conhecer por exemplo Philip Guston que o pisotearia também, pisotearia até seu corpo pegar a forma dos corpos que ele próprio pintava.

Também seria pisoteado o tal artista que por acaso encontrei na Internet, caso a burrice se desse conta da presença dele.

A burrice pisotearia o artista mas nunca que seria capaz de por exemplo pintar uma série somente de artistas sendo pisoteados.

Artistas sendo pisoteados em museus, é uma ideia.

Ou pisoteados então em palcos.

Não são as melhores ideias.

Pisoteados em salas de aula ou pisoteados em vaquejadas ou pisoteados durante shows de quem quer que a burrice escute.

É claro pisoteados em praias, pisoteados em festas de São João.

Meu amigo então disse que não adianta muito fazer o que quer que seja quando se é pisoteado.

Entretanto ele insiste em fazer uma única coisa quando se sente pisoteado.

Especificamente quando o pisoteio é proveniente dos seus programas de televisão, mais especificamente dos programas de jornalismo.

Quando por exemplo passa uma mentira na televisão o meu amigo grita com a televisão, ‌é mentira!

Ou então, quando a televisão apresenta pros espectadores um filho da puta, meu amigo revela à televisão que é um filho da puta o tal filho da puta.

Também sempre oferece à televisão as respostas mais ofensivas a tudo que na televisão é perguntado.

Se na televisão por exemplo é dado um Boa noite! meu amigo ou corrige Péssima noite ou simplesmente diz Não.

Meu amigo confessa que é claro que não adianta nada.

Como é claro que parece coisa de criança.

Mas é a maneira dele de sobreviver ao pisoteio.

A minha própria maneira de sobreviver ao pisoteio é outra.

Entretanto idiota na mesmíssima medida.

Eu procuro por exemplo pela situação pela qual o tal escritor que é por acaso um dos mais importantes do meu país está passando.

Eu adentro a conversa que os educadíssimos apoiadores do escritor pensam estar tendo com os detratores do escritor.

Eu escolho um dos detratores e reviro suas redes sociais.

Não é muito tempo revirando, é somente o tempo suficiente para tomar conhecimento se por exemplo é gordo o detrator.

Sabendo que é por exemplo gordo um detrator, eu retorno ao palco de seu ataque ao escritor e tudo o que escrevo em resposta ao detrator, no meio de toda aquela gente tentando conversar, é kkk gordo.

próximo hamburger ele estoura kkk é outra possibilidade.

Como é mais uma kkk o bom é que quando o coração desse aí explodir a opinião dele acaba

Toda uma infinidade de insultos.

Insultos cuja totalidade é de coisas que eu não somente considero golpes baixos, muito mas muito pior que isso, coisas que cara-a-cara eu sequer cogitaria dizer.

Sequer cogitaria expressar qualquer uma delas que fosse, porque são todas representantes das piores coisas que se pode expressar contra a existência de outro ser humano, coisas que por mim tornam quem as expressa em alguém passível de se ver engaiolado por um bom tempo.

Com a intenção de ferir, fazer uso do fato de que é um gordo o detrator, ou então que é um velho, deixa o vovô escrever que falta pouco acaba a hora extra dele no mundo kkkkk, ou então qualquer outra coisa.

Eu total e absolutamente crente de que de nada adiantaria de fato propor uma conversa com aquelas pessoas, da mesma maneira como de nada adiantara a todo o restante dos apoiadores do escritor terem proposto conversar com os detratores, ensinar os detratores, salvar os detratores.

De nada adiantara a não ser pra nós próprios os apoiadores do escritor sermos humilhados, é claro.

Quando o movimento de detratores é muito, mal me preocupo com o passo em que reviro as redes sociais deles, escrevo as ofensas mais simples.

kkk gordo fodido da mesma forma que escreveria crente escroto kkk ou então desempregado de tempo livre kkk ou kkk encontrada vovó confusa no twitter kkkkkk ou kkk pobre de direita kkkkk tem mais que morrer.

São os exemplos menos ofensivos das coisas que comumente escrevo.

Eu sempre total e absolutamente crente na ideia de que, por mais que não estivesse efetivamente mudando nada, estava gerando ao menos alguns gramas de desconforto.

Sempre certo de que, enquanto não eram lidas as bem pensadas respostas do restante dos apoiadores à burrice que a tudo pisoteia, as minhas respostas, redigidas quase que automaticamente e sem nunca levar em conta sequer a mais mínima regra de decência entre pessoas, os detratores sempre não somente liam mas também carregavam consigo para lá e para cá.

Um detrator em particular por exemplo, esse homem todo os dias posta fotografias do seu casal de crianças, e todo dia surge também para dizer que é comunista e esquerdalha vermelho o escritor, e que quem vai ser enforcado em tripas é ele, escritor, a não o nosso grande presidente ou seus grandes e numerosos filhos machos e fortes.

Sendo que esse homem comumente deixa escrito o nome das suas duas crianças nas fotografias que posta diariamente.

Portanto, chegada a hora de insultar esse detrator em particular, eu digitei os nomes de ambas as suas crianças, comentando como muito se envergonhariam no futuro com um pai merda desses ter ficado do lado errado, e depois fui fazer café.

Perfeito o café.

Dado tempo suficiente para o tal detrator ter respondido o meu insulto, me deparei que não tinha se contentado em responder uma única vez mas sim mais de uma dezenas de vezes.

E bebericando o meu mais perfeito café eu escrevi que kkk com vergonha desse pai merda uma criancinha dessas ainda se mata.

É a minha maneira de ser menos pisoteado, isto é, é gritar contra os pés que te pisoteiam.

E de nada adianta ou muito pouco adianta, o mundo não muda, como não muda o mundo meu amigo gritar com o que passa na sua televisão, só o que temos é a impressão de estarem surtindo algum efeito os nossos esforços de gente mínima, humanos merdas.

Mas é claro eu não queria estar aqui diante duma tela, preenchendo a tela de insultos.

Queria estar é de mãos dadas com meus amigos apreciando o abóbora duma fogueira.

Amigos dentre os quais não exista sequer um que me diga como estamos fazendo isso, se gostamos tanto de poesia?


João Antonio Guerra vive em Vaz Lobo, no Rio de Janeiro, lê e escreve.

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